Processo nos EUA revela propina da Odebrecht e Braskem a políticos nos governos Lula e Dilma

odebrechtDetalhes do acordo de leniência assinado pela Odebrecht e pela Braskem com o Brasil, os Estados Unidos e a Suíça, mostraram o envolvimento de autoridades brasileiras num esquema de corrupção, durante os governos Lula e Dilma (leia ao final desta reportagem as versões de todos os citados).

As duas empresas concordaram em pagar multas de quase R$ 7 bilhões e revelar fatos ilícitos praticados nos três países.

E muitos fatos que aparecem nos documentos americanos têm semelhanças com episódios investigados na Operação Lava Jato, aqui no Brasil.

O processo na justiça americana revela a rotina de pagamento de propinas em troca de vantagens para a Braskem de 2002 a 2014. Seja na forma de isenções fiscais, fechamento de contratos com a Petrobras e até na aprovação de leis que tiveram impacto direto nos lucros da empresa.

O processo descreve as ações dos principais envolvidos no esquema. A justiça americana não divulga os nomes das pessoas investigadas. Se refere a autoridades e executivos usando números. Descreve como foram feitas as transações e os pagamentos e como isso beneficiou a Braskem.

Na lista, estão executivos do alto escalão da Braskem – identificados pelos números “um” e “dois”. Autoridades dos governos Lula e Dilma também são identificados por números.

No poder Executivo, duas autoridades do mais alto escalão, dois ministros – sendo um deles conselheiro do governo e mais tarde eleito para o Congresso – e um alto executivo da Petrobras.

No poder Legislativo, três autoridades de primeira linha.

O processo se debruça sobre mais de uma década de operações da empresa – de 2002, ainda no mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, a 2014, já no mandato da presidente Dilma Rousseff.

O Departamento de Justiça não cita nenhum exemplo do governo Fernando Henrique – destaca operações em oito anos: de 2006 e 2014 – no segundo mandato do presidente Lula e no primeiro da presidente Dilma.

Só em 2006 a Braskem passou a ter autonomia para distribuir suborno a politicos sem interefrência da Odebrecht.

O departamento entregava propinas a políticos e partidos através de empresas off-shore.

Essas transações não entravam na contabilidade oficial da empresa – caíam no chamado caixa dois e algumas vezes passavam por até três instituições antes de cair na conta do beneficiário final.

Os investigadores americanos destacam que outra forma de desviar dinheiro era através de doleiros.

Alguns pagamentos eram feitos usando malas cheias de dinheiro que eram entregues diretamente aos envolvidos.

O processo na justiça americana que trata apenas da Odebrecht revela que a empresa chegou a comprar um banco no paraíso fiscal de Antígua, no Caribe, para efetuar o pagamento de propinas a políticos sem levantar suspeitas.

O banco seria uma subsidiária de uma instituição austríaca e ajudou a elaborar contratos fictícios para justificar transferências do “departamento de propinas” da empresa.

No paraná, a Lava Jato investiga a compra de um banco por operadores e executivos que, segundo o Ministério Público, são ligados à Odebrecht. Um dos delatores da Lava Jato afirmou que primeiro abriu, a pedido de um operador da Odebrecht, diversas contas no Antigua Overseas Bank, no Caribe.

Lá, teriam movimentado US$ 1 bilhão.

De acordo com o mesmo delator, depois que o banco fechou em 2010, um dos executivos da Odebrecht propôs a compra de parte de um outro banco, o Meinl Bank Antigua.

O delator, os sócios dele e executivos da Odebreht chegaram a ter 67% de participação.

Disse também aos procuradores que a movimentação no Meinl Bank chegou a cerca de US$ 1,6 bilhão em seis anos e que não pode afirmar que 100% dos pagamentos eram ilícitos, mas que grande parte, sim.

O delator listou dezenas de pagamentos a offshores, entre elas a conta que, segundo as investigações, era controlada pelo ex-marqueteiro do PT João Santana, responsável pelas campanhas presidenciais de Lula e Dilma Rousseff.

Esta conta, a Shelbill, teria recebido US$ 16 milhões.

O delator afirmou ao Ministério Público que nunca teve contato com Marcelo Odebrecht. Mas, pelo volume de dinheiro e estrutura criada, considerava impossível que Marcelo não soubesse das operações.

Uma das transações da Braskem aconteceu em 2006, durante o governo Lula.

Decisões judiciais levaram à elevação de impostos que prejudicariam os lucros da Braskem.

Dois executivos da Braskem procuraram a autoridade “número três” – um então ministro de Lula – para interceder a favor da empresa junto a um outro ministro e também à autoridade “número um” do governo.

Ao mesmo tempo, um alto executivo da empresa também entrou em contato diretamente com a autoridade “número um” para pedir que pressionasse a autoridade “número quatro”.

Numa das reuniões, a “autoridade quatro” passou um bilhete, pedindo ao “executivo um” da Braskem uma contribuição para a campanha de 2010 da autoridade “número dois” – no valor de R$ 50 milhões.

Segundo o documento, o executivo da Braskem concordou – mesmo sabendo que o dinheiro não iria para a campanha – e seria usado em benefício próprio dos políticos.

Em uma das planilhas do “setor de propinas” do grupo Odebrecht, encontrada pelos investigadores da Lava Jato no Paraná, consta um valor de R$ 50 milhões.

O valor aparece como “saldo” em 2012 e 2013, e está relacionado ao codinome “pós-itália” que, segundo as investigações, há indícios de que seja o ex-ministro Guido Mantega.

A planilha tem ainda outros dois codinomes: “Itália” e “amigo”. A Polícia Federal afirma que “amigo” é uma referência ao ex-presidente Lula e “Itália”, ao ex-ministro Antonio Palocci que, de acordo com os delegados, também era chamado de “italiano”. Palocci seria o responsável por gerenciar esses pagamentos.

Outra transação influenciou a aprovação de uma nova lei de isenções fiscais que beneficiou a Braskem.

O projeto foi apresentado ao Congresso em 2011 – durante o governo Dilma – mas um parágrafo adicionado depois dificultou a aprovação.

O executivo “número um” da Braskem, então, procurou a autoridade “número quatro”, um ministro de Dilma, e pediu para retirar o parágrafo em questão.

A lei foi aprovada em troca do pagamento de R$ 2,1 milhões a uma autoridade do Legislativo que apresentou a proposta de suprimir o tal parágrafo.

A autoridade “número sete” – do Legislativo – recebeu R$ 4 milhões.

Os outros senadores e deputados – que não foram identificados no processo por números – dividiram um R$ 1,6 milhão.

Ao fim da negociação, a autoridade “número quatro” voltou a procurar o executivo “número um” da Braskem para pedir mais R$ 100 milhões.

Esse dinheiro teria ido para a campanha de candidatos do partido do ministro nas eleições de 2014.

A aprovação de uma medida provisória que favoreceu o grupo Odebrecht também foi alvo de investigação da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

O grupo primeiro pretendia ser beneficiado numa medida provisória ligada ao IPI, imposto sobre produtos industrializados. Mas essa MP acabou não sendo aprovada. Marcelo Odebrecht passou a tratar com Palocci uma nova alternativa pra compensar a Odebrecht.

Marcelo odebrecht escreveu um email em agosto de 2009 para executivos do grupo, inclusive Cláudio Melo Filho, que citou em delação premiada diversos políticos.

No e-mail, Marcelo escreveu: “Tudo que é bom, é difícil. Tudo que é fácil, não é para nós. Italiano acabou de me ligar (…) ele mesmo pediu, além dos argumentos para a sanção/veto parcial, que levássemos alternativas para nos compensar”.

Num outro e-mail, Marcelo Odebrecht conversa com um assessor de Palocci. Ele escreve:

“Sabe se o chefe conseguiu marcar com o gm está sexta ou início da semana que vem?”.

O assessor responde:

“Marcelo, ele conversará com ele pessoalmente amanhá à noite.”

“GM”, para a Polícia Federal, é Guido Mantega, que na época era ministro da Fazenda.

A conclusão da polícia é que Marcelo pretendia, com a ajuda de Palocci, convencer Mantega a editar uma medida provisória que viesse a favorecer o grupo Odebrecht na questão do IPI.

A medida provisória 470 de 2009, que atendia os interesses da Odebrecht, acabou sendo aprovada.

Para investigadores, mediante tratativas que envolviam o apoio e interferência de Palocci e também de Guido Mantega.

Versões dos citados

A defesa de Antonio Palocci reafirmou que os apelidos “Itália” ou “italiano” não se referem ao ex-ministro.

A defesa de Guido Mantega declarou que não se tem reconhecimento oficial do documento citado na reportagem e que o departamento que fez esse documento não tem jurisdição no Brasil. Afirmou, ainda, que os codinomes não se referem ao ex-ministro.

O Instituto Lula afirmou que são as mesmas ilações e falsas denúncias contra o ex-presidente dos últimos dois anos. Que “uma mentira será sempre mentira, em português ou inglês”. E que, agora, a Lava Jato apela para uma estranha parceria com procuradores de um país estrangeiro para obter alguma credibilidade. Na nota, o instituto também afirma que nem no Brasil, nem em qualquer país do mundo, existem provas de envolvimento do ex-presidente Lula em desvios de dinheiro.

A defesa de João Santana informou que todas as movimentações bancárias dele no exterior já foram devidamente declaradas à Justiça.

A assessoria da ex-presidente Dilma Rousseff disse que ela jamais intercedeu junto a empresários para pagamento de fornecedores de suas campanhas via caixa dois, recursos não-contabilizados ou em paraísos fiscais. E que João Santana recebeu R$ 70 milhões, em 2014, pelos serviços prestados, conforme a prestação de contas encaminhada à Justiça Eleitoral.

A Braskem declarou que não comenta os casos específicos contidos no acordo de leniência, pelo qual pagará mais de R$ 3 bilhões em multa e indenização.

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